Home
/
Notícias
/
Careca de Saber
/
Nau à deriva: Internacional Travessias nada de braçada rumo ao sucateamento do ferry boat
Nau à deriva: Internacional Travessias nada de braçada rumo ao sucateamento do ferry boat
Após quase 11 anos de concessão, empresa coleciona queixas, afunda embarcações e ainda é premiada com reajuste tarifário. Governo culpa “falta de interesse” e estuda comprar navios no exterior
Por Evilásio Júnior
13/06/2025 às 06:00
Atualizado em 13/06/2025 às 11:39

Foto: Matheus Landim / GOVBA
Embarcações sujas e enferrujadas, falhas mecânicas, atrasos, filas intermináveis, terminais obsoletos, péssimo atendimento, insegurança, falta de acessibilidade e passagens com preços altos. Depois de mais de uma década à frente do sistema ferry-boat, que faz a ligação entre a capital e a Ilha de Itaparica, a Internacional Travessias Salvador (ITS) transformou um serviço essencial em uma experiência humilhante para a população baiana.
A operadora assinou o contrato de concessão com o Governo da Bahia em 15 de julho de 2014, no valor de quase R$ 2,7 bilhões (R$ 2.667.159.384,67), em substituição à TWB. A companhia anterior teve a caducidade decretada com sete anos de serviço após uma auditoria realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) comprovar o descumprimento de uma série de cláusulas contratuais. Entre elas, manutenção, melhoria no atendimento e otimização das instalações dos terminais marítimos. Itens repetidos e agravados na gestão atual.
À época, o Estado passou para a administração da ITS a frota de nove balsas disponíveis – Agenor Gordilho, Juracy Magalhães Jr., Pinheiro (antigo Vera Cruz), Maria Bethânia, Rio Paraguaçu, Anna Nery, Ivete Sangalo e os recém adquiridos da Grécia Dorival Caymmi e Zumbi dos Palmares. Outras três que compunham a frota – Gal Costa, Ipuaçu e Monte Serrat – foram leiloadas como sucatas, a primeira em 2013 e as demais em 2019.
Agora, quase 11 anos depois, restaram apenas sete. Agenor e Juracy – justamente as pioneiras do sistema em 1972, adaptadas para virar "dose-dupla" e reformadas em 2013 por quase R$ 10 milhões – foram afundadas, a primeira em 2022 e a outra em março deste ano, para virar atração turística de mergulhadores na Baía de Todos-os-Santos.
Detalhe: pelo contrato de concessão, é o Estado quem deve repor a frota.
A novela dos novos ferries
Recentemente, a própria ITS admitiu a precariedade do serviço, ao atribuir o caos à insuficiência de embarcações.
Só para o feriado prolongado de Corpus Christi e São João deste ano, de acordo com a companhia, estima-se que o número de passageiros ultrapasse os 205 mil passageiros e 29 mil registrados em 2024. O resultado? Filas quilométricas, espera de até sete horas e usuários exaustos.
De acordo com a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinfra), a tentativa de adquirir novos navios fracassou na falta de interessados.
"A Secretaria de Infraestrutura da Bahia (Seinfra) informa que houve duas licitações e que deram desertas. Ou seja, não houve empresas interessadas. Atualmente, com acompanhamento do Ministério Público do Estado e do TCE [Tribunal de Contas do Estado], bem como com orientação da PGE [Procuradoria-Geral do Estado], estamos tentando viabilizar a aquisição via compra direta de duas embarcações, seguindo a legislação vigente Lei Federal 14133/2021, artigo 75. Sobre a questão da origem dos novos ferries a serem adquiridos, as tratativas ainda estão em andamento", disse a pasta, em nota enviada ao Blog do Vila, ao não descartar a possibilidade de a compra ser feita no exterior.
Contatado, o titular da pasta e deputado federal licenciado Sérgio Brito (PSD) não se manifestou a respeito.
Visita à Grécia esbarra em custos, mas rende cliques
Na tentativa de buscar opções como o Zumbi e o Dorival, uma comitiva técnica do governo, formada por integrantes da Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba) e da Seinfra, foi enviada recentemente à Grécia a fim de formar o termo de referência da licitação.
A coluna apurou que o plano era comprar duas embarcações com características específicas: dimensões adequadas à operação, para não afetar o tempo de embarque e impactar na grade de horários, e inclusão de itens de acessibilidade — como elevadores para pessoas com deficiência, algo ainda inédito no sistema. Os custos, porém, estouraram o orçamento.
E o que já era polêmico ficou pior: um dos “técnicos” resolveu transformar a missão oficial em álbum de viagem e encheu as redes sociais de fotos turísticas. Com dinheiro público.
Mais que falta de ferry: um sistema colapsado
A situação caótica do sistema ferry boat não se limita apenas ao déficit no número de embarcações, que ocasiona as filas quilométricas, sobretudo, em épocas de feriados. Não só os navios disponíveis oferecem estruturas inadequadas, com banheiros intransitáveis, assentos imundos e baratas nos corredores, mas também os terminais, onde os usuários sofrem com instalações precárias e falta de higiene nas áreas comuns, bilheterias, sanitários e lanchonetes.
Mais que isso, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) já havia constatado, em 2022, que o Terminal de São Joaquim, em Salvador, não tem certificado de licença do Corpo de Bombeiros desde 2018 e o salão de passageiros não conta sequer com saída de emergência. Também foram identificadas irregularidades quanto à acessibilidade e condições sanitárias.
À coluna, a promotora Rita Tourinho revelou que um grupo de trabalho do MP-BA acompanha o contrato da ITS com o governo do Estado. "Estamos centrados na questão do espaço para dique seco, além da revisão contratual em andamento com a Agerba. Há também uma frente ligada ao direito do consumidor", afirmou.
Enquanto MP investiga, AL-BA ainda não se move sobre o ferry
Apesar do colapso no sistema ferry-boat, a Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) não demonstra o mesmo ímpeto visto no caso da Via Bahia, cuja concessão foi recentemente encerrada. Segundo o presidente da Comissão de Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e Turismo, deputado Eduardo Salles (PP), o tema sequer entrou oficialmente em pauta.
"Confesso que é tanto assunto polêmico que a gente está cuidando ao mesmo tempo, que ainda não pautamos efetivamente esse assunto na comissão. Temos a pretensão, mas ainda não comentamos nada sobre isso", afirmou Salles ao Blog do Vila.
Agerba em silêncio, tarifa em alta
Mesmo diante de tantas irregularidades, a Agerba segue calada sobre a possibilidade de rompimento contratual ou aplicação de sanções. Questionada pelo blog na última quarta-feira (11), a agência não respondeu até o fechamento da coluna.
Em contrapartida, no mês passado, autorizou um reajuste de 4,5% na tarifa. Hoje, o pedestre paga R$ 9,20 para usar um serviço degradante aos finais de semana e feriados. Já um carro pequeno desembolsa R$ 88,50 por um trajeto que virou sinônimo de dor de cabeça.
Enquanto o governo hesita, o sucateamento avança. E os baianos e turistas ainda pagam caro — com dinheiro, tempo e paciência — por um sistema que se afunda em promessas não cumpridas e que deve ser varrido literalmente para debaixo da ponte. Isso se, enfim, ela sair do papel e não se resumir a mais uma jura eleitoral que se arrasta desde 2009.