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O plano, as vozes e o embate

O plano, as vozes e o embate

Prefeitura lança projeto bilionário de segurança enquanto vereadores travam disputa de visões sobre o papel do município e os rumos da política pública

Por Evilásio Júnior

07/11/2025 às 06:00

Foto: Betto Jr. / Secom PMS | Evilásio Júnior

A Prefeitura de Salvador prepara o envio à Câmara de Vereadores, na próxima segunda-feira (10), do Plano Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (PMSPDS) — um documento que pode redefinir o papel do município na prevenção e combate à violência urbana.

O texto estabelece 46 metas e 241 ações até 2035, com investimentos previstos que chegam a R$ 14,3 bilhões e foco na integração entre órgãos, tecnologia e cultura de paz.

Entre as iniciativas anunciadas estão a instalação de mais 6,3 mil câmeras de vigilância, a construção do Centro de Controle e Operações (CCO), no bairro do Lobato, e um novo concurso público para reforçar o efetivo da Guarda Civil Municipal (GCM).

O plano, apresentado como “histórico” pelo prefeito Bruno Reis (União), em evento ao lado do governador Jerônimo Rodrigues (PT), nesta quinta-feira (6), também se apoia em uma pesquisa de percepção da violência, segundo a qual 72,87% dos soteropolitanos afirmaram não estar nada satisfeitos com a segurança da cidade.

Mais do que um pacote de ações, o PMSPDS abre um novo terreno de debate na Câmara, onde aliados e opositores do prefeito concordam em um ponto: a segurança pública, mesmo não sendo competência exclusiva dos municípios, tornou-se um tema incontornável na vida urbana — e, portanto, inevitável na política local.

Base do governo defende expansão da Guarda e uso de tecnologia

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As primeiras reações ao plano evidenciam duas visões distintas de segurança: de um lado, os governistas tratam o enfrentamento direto à criminalidade como prioridade; de outro, a oposição insiste na prevenção e no fortalecimento de políticas públicas integradas.

O vereador Cezar Leite (PL) foi direto ao defender uma postura mais ostensiva da Guarda Civil Municipal. Para ele, o município tem responsabilidade clara na segurança e deve agir diante da “incompetência” do governo estadual. “Devemos dobrar o número de efetivos da Guarda Municipal e aprimorar o treinamento. É um momento de contenção e policiamento ostensivo, e a Guarda pode sim fazer esse trabalho integrado com a PM”, argumenta.

Na mesma linha, Sandro Filho (PP) avaliou positivamente a iniciativa de Bruno Reis, embora considere tardia. “Segurança pública é um dever nacional, e o município deve cumprir sua parte dentro do seu território. O prefeito está fazendo um trabalho essencial com esse plano”, afirmou.

Alexandre Aleluia (PL) ampliou a discussão para o uso de novas tecnologias, ao destacar que o contexto global impõe novas estratégias. “As guardas municipais são um complemento das forças de segurança. As cidades precisam se preparar para essa nova forma de luta contra o crime organizado, inclusive com drones. É uma guerra assimétrica e temos que estar prontos”, pondera.

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Oposição quer diálogo social e políticas estruturantes

No campo oposto, a líder da minoria Aladilce Souza (PCdoB) ressaltou que o plano precisa ser submetido à escuta da sociedade e às audiências públicas do Legislativo. “A segurança pública é responsabilidade principal do Estado, mas o município pode e deve contribuir. Isso não se faz apenas com repressão, e sim com políticas como educação, assistência social, cultura e lazer. Precisamos cultivar a paz como valor”, afirma.

A vereadora Marta Rodrigues (PT) reforçou a necessidade de articulação entre os diferentes níveis de governo. “As políticas públicas acontecem de verdade é no município. É importante associar esse debate com inteligência, sem achar que invadir morros e tirar vidas vai resolver o problema. Precisamos de paz e dignidade para as pessoas”, defende. 

Eliete Paraguassu (PSOL), por sua vez, alertou para o risco de o plano se afastar da realidade das comunidades periféricas. “Qualquer plano de segurança precisa ser dialogado com a sociedade civil, sobretudo com as comunidades tradicionais e mais vulneráveis. Sem políticas públicas efetivas nessas áreas, continuaremos reproduzindo a violência que se quer combater”, concluiu.

Direita fala em 'união do campo conservador' e 'desconexão' da esquerda

Enquanto Salvador discute seu plano de segurança, o país ainda repercute os efeitos da megaoperação policial no Rio de Janeiro, que deixou 121 mortos — quatro deles policiais. O episódio acirrou o embate entre direita e esquerda sobre os limites da força e o papel do Estado na repressão ao crime organizado.

Questionados pelo Blog do Vila sobre o impacto político da operação, os vereadores Cezar Leite, Sandro Filho e Alexandre Aleluia avaliaram que o episódio consolidou uma unidade no campo conservador, ao passo que Marta Rodrigues sustentou que o debate não pode ser medido por pesquisas de opinião em um contexto de comoção.

“Cláudio Castro foi corajoso. A população não suporta mais o que acontece. Os governos de esquerda acham que o traficante é vítima, e isso os afasta da realidade”, disse Cezar Leite, em tom de crítica direta ao presidente Lula e aos governadores do Nordeste.

Sandro Filho interpretou a operação como um divisor de águas: “Foi um ponto de união da direita, mas, acima de tudo, da população, que está cansada do crime organizado”.

Aleluia, por sua vez, viu no episódio uma evidência da desconexão da esquerda com a vida cotidiana. “A operação mostrou que a esquerda vive num mundo de fantasia. O povo sofre opressão diária, paga pedágio, gás mais caro, taxa de internet ao crime. Essa usurpação do Estado de Direito precisa acabar”, afirmou.

Segurança não se constrói com chacinas, diz Marta

Em contraponto, Marta Rodrigues (PT) reagiu à retórica considerada por ela "belicista". “Isso não é perder o debate. Continuamos defendendo a cultura da paz. Não se trata de dizer quem ganhou ou perdeu, mas de preservar vidas. Segurança não se constrói com chacinas. O que vimos no Rio de Janeiro foi um ato terrorista, e não podemos reproduzir isso”, destacou a petista, ao lembrar o programa estadual Bahia pela Paz como referência de política preventiva.

Uma pesquisa do instituto Real Time Big Data divulgada nesta quinta-feira (6) aponta que sete em cada dez pessoas (aproximadamente 74%) não concordam com a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que a ação contra o Comando Vermelho no Rio foi "desastrosa".

Entre o discurso e a prática

O debate em torno do PMSPDS e da operação do Rio escancara o que há de mais complexo na segurança pública brasileira: o abismo entre o medo e a esperança

Enquanto a base do prefeito aposta em câmeras, drones e expansão da Guarda, a oposição insiste na reconstrução social e na escuta popular.

Ambas, porém, convergem em um ponto: o tema da segurança deixou de ser exclusividade do Estado.

O desafio será conciliar o discurso político com a realidade de uma cidade que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, é a capital mais violenta do país, com uma taxa de 52 mortes por 100 mil habitantes.

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