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Tarifaço americano: o impacto do aumento de 50% nas exportações baianas e os desafios para a economia do estado
Tarifaço americano: o impacto do aumento de 50% nas exportações baianas e os desafios para a economia do estado
Com tarifas impostas pelo governo Trump, Bahia enfrenta cenário complexo que envolve retração das exportações, risco de desemprego e pressão por respostas urgentes do poder público e setor produtivo
Por Evilásio Júnior
01/08/2025 às 06:00

Foto: Thuane Maria / GOVBA
A recente imposição pelo governo dos Estados Unidos de uma sobretaxa de 50% sobre uma extensa lista de produtos brasileiros gerou apreensão imediata entre empresários e autoridades da Bahia.
Ricardo Kawabe, gerente do Observatório da Indústria da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), ressaltou, em entrevista à CBN Salvador, que, apesar da divulgação de uma lista de exceções que eliminou 694 produtos exportados para os EUA, o restante continua sujeito à pesada tarifa.
"O impacto prático é a inviabilização das exportações desses produtos, que acarretará redução significativa no faturamento das empresas industriais baianas", explica Kawabe.
O setor industrial, tradicionalmente o mais afetado pelas tarifas, vê ameaçadas suas cadeias produtivas e a manutenção dos empregos gerados. De acordo com a Fieb, os segmentos mais impactados são celulose, pneus, derivados de cacau e petroquímica.
Além do setor industrial, a agricultura baiana — especialmente o interior do estado — sofre uma penalização direta, já que itens agrícolas importantes, como manga, cacau e derivados, não foram incluídos nas exceções e continuam na lista de produtos tarifados.
"Esse impacto tem uma dimensão social muito expressiva, porque o agro é fundamental para a geração de renda e emprego nas cidades do interior da Bahia", alerta o gerente da Fieb.
O fruto é o principal produto do setor, com 60% da produção escoada para os EUA.
Consequências sociais: desemprego e perda de renda no interior
O impacto da medida vai além dos números frios da economia. Para muitos trabalhadores e famílias, significa uma ameaça real de desemprego e queda na renda. O economista Felipe Prado destaca que, apesar de as tarifas atingirem diretamente setores específicos da economia, como o industrial e o agroexportador, seus efeitos se espalham e criam um efeito dominó negativo.
"No caso da manga, por exemplo, a Bahia já sente uma retração na comercialização para os EUA, que absorvem 60% da produção local. Isso representa um risco concreto de desemprego na região do Vale do São Francisco, que tem a fruticultura como uma das principais atividades econômicas", apontou, em entrevista à CBN Salvador. Ele reforça ainda que o desemprego não impacta só o trabalhador diretamente, mas toda a cadeia social e econômica vinculada à renda familiar.
Para Prado, a dimensão social do impacto é um dos maiores desafios para o estado: "Perder emprego em regiões interioranas significa queda na circulação de dinheiro local, que afeta comércio, serviços, saúde e educação, em um ciclo que compromete o desenvolvimento regional".
Negociações diplomáticas e desafios de médio prazo
Diante do cenário, a expectativa recai sobre as reuniões previstas na próxima semana entre o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, representantes da Fieb e o governo federal, que será o momento para tentar encaminhar medidas para mitigar os impactos do tarifaço.
Ricardo Kawabe enfatiza a importância da diplomacia e da negociação: "Embora o governo federal seja o ator principal, a iniciativa privada tem papel fundamental, especialmente para dialogar diretamente com clientes americanos e buscar alternativas".
Porém, Kawabe e Prado concordam que encontrar mercados alternativos para os produtos baianos não é tarefa simples nem rápida. "Relações comerciais são construídas ao longo de anos e contratos firmados com parceiros confiáveis, o que dificulta o redirecionamento imediato das exportações para outras regiões", explica Prado.
A situação coloca a Bahia em um ponto delicado dentro das disputas comerciais globais, no contexto de realinhamentos geopolíticos. O estado já tem na China o seu maior parceiro comercial — principal destino das exportações baianas hoje — mas sofre os efeitos da tensão crescente com os EUA, que historicamente foi o maior mercado para produtos brasileiros e baianos.
Ainda não há um prejuízo estimado pela Fieb com a alteração nas regras do tarifaço.
O papel do governo estadual e federal: estratégias emergenciais
Com a iminência do tarifaço, o governo estadual já articula medidas emergenciais para reduzir os prejuízos. Entre as principais estratégias estão linhas de crédito para capital de giro, incentivos fiscais temporários e apoio à reestruturação das cadeias produtivas afetadas.
Kawabe destaca, no entanto, que "nada vai resolver o problema enquanto a tarifa persistir, mas o objetivo é evitar o pior cenário, que seria a perda massiva de empregos e o fechamento de empresas".
A reunião da próxima semana, segundo Prado, será decisiva para que o governo federal possa incorporar as demandas do estado e formular políticas públicas efetivas.
"São necessárias medidas rápidas para compensar o setor produtivo e garantir a continuidade das atividades econômicas, protegendo a renda dos trabalhadores", salientou.
O governador Jerônimo Rodrigues (PT) se reunirá com a Fieb, na próxima segunda-feira (4), e na terça (5) e quarta (6) participará de reuniões em Brasília para discutir as medidas que serão adotadas. A agenda inclui encontros com os demais governadores do Consórcio Nordeste, ministros do governo federal e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As sanções políticas e a escalada das tensões diplomáticas
Além das tarifas comerciais, o Brasil enfrenta outra frente de conflito com os Estados Unidos: a aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em entrevista à CBN Salvador, o doutor em Relações Internacionais Said Santana explicou que a lei norte-americana visa punir pessoas acusadas de violações de direitos humanos e outras irregularidades, com restrição do seu acesso ao sistema financeiro americano. A punição já foi aplicada contra generais genocidas de Mianmar e autoridades russas acusadas de assassinato.
"Sancionados pela Lei Magnitsky ficam isolados financeiramente, sem poder realizar transações bancárias internacionais, o que representa uma ‘pena de morte econômica’", afirma Santana.
Embora o ministro não tenha contas, bens ou investimentos, visto vencido há dois anos e tenha lidado com indiferença ao assunto, já que ainda não se manifestou publicamente, a medida cria um ambiente de tensão política e institucional que pode refletir negativamente nas relações bilaterais entre os dois países.
Santana ressaltou que o principal interesse dos EUA, segundo sua análise, é impedir que o Brasil se alinhe política e economicamente a regimes considerados adversários, como Rússia e China, o que insere o país no centro das disputas globais.
Senadores democratas americanos, parte da imprensa e até mesmo William Browder, executivo financeiro britânico que liderou a campanha pela aprovação da lei nos Estados Unidos, condenaram a sanção a Moraes.
Bahia na mira do cenário global: entre o tarifaço e a disputa geopolítica
O cenário que se apresenta é complexo e demanda respostas rápidas e coordenadas. A Bahia, como um dos principais polos econômicos do Brasil, sente na pele os efeitos de uma disputa comercial e política que ultrapassa fronteiras e que tem impactos profundos na vida dos seus trabalhadores e no funcionamento das suas indústrias e agricultura.
Com o tarifaço que atinge setores-chave e as sanções políticas que ampliam a pressão sobre o país, o momento exige união entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil para enfrentar o desafio.
A articulação que será conduzida por Jerônimo Rodrigues junto ao governo federal, em diálogo com a Fieb e demais representantes do setor produtivo, é fundamental para minimizar os impactos e traçar um caminho de recuperação que preserve empregos, renda e a competitividade da Bahia no mercado internacional. Desde que o debate seja levado para além das jaboticabas.